quarta-feira, 4 de julho de 2012

Arafat, A pedra que os palestinianos lançaram ao mundo

Book Review

No mesmo dia em que Yasser Arafat regressa aos noticiários de todo o mundo, desta vez devido a uma investigação da Al Jazeera[1] que indicia que este terá sido vítima de assassinato através de polónio 210[2], acabava eu de ler a excelente biografia  "Arafat, A pedra que os palestinianos lançaram ao mundo" editado pelo Público e da autoria de Margarida Santos Lopes. Este é um daqueles livros que esteve em fila de espera durante vários meses. Talvez por eu não ser um grande apreciador de biografias. Talvez por existirem outros assuntos que não sendo mais importantes, poderão ser mais actuais ou urgentes. Ou talvez por as minhas expectativas não serem muito elevadas já que sou bastante crítico das posições discretamente tomados pelo jornal "Público" nas questões sobre o médio oriente, em particular na forma como é relatado o conflito israelo-palestiniano.

Regra geral, as biografias não me interessam particularmente pois sempre achei mais interessante discutir ideias, soluções e acontecimentos do que pessoas específicas. Mas há, de facto, algumas personagens que marcam a história. E são eles próprias os criadores e propagadores de todas essas marcas históricas. Arafat é - para o povo palestiniano - o pai da sua nação. Isso é aceite e assumido por amigos e inimigos.

Em relação à actualidade do assunto, se existe algo que Arafat certamente conseguiu foi tornar a questão palestiniana no mais mediático de todos os dramas nacionais a nível global. Suscita paixões em todos os cantos do mundo, mesmo em lugares cujas relações históricas com a Palestina e Israel são quase nulas, como é o caso de Portugal. E transformou o problema da sua nação no Santo Graal da diplomacia mundial.

Por fim, as minhas reservas no que toca à linha editorial do Público levavam-me a crer que este livro poderia não passar de uma breve colectânea de algumas das biografias já feitas sem acrescentar muito ao que já é conhecido.

De facto, o livro não revela grandes surpresas em termos de factos históricos sobre o famoso líder, mas consegue algo que é raro: é um livro de história que se lê como um romance. Miguel Sousa Tavares di-lo no seu prefácio e eu estou totalmente de acordo. Para além das entrevistas feitas pela autora, das inúmeras fontes bibliográficas que incluem os melhores e mais credíveis autores sobre o Médio Oriente (tais como Robert Fisk, Edward Said, Thomas Friedman, Ze'ev Schiff) e as auto-biografias de muitos dos líderes envolvidos, a autora consegue manter uma prosa coerente, cronologicamente controlada e sem adiantar o desfecho do que se vai passar a seguir.

A cada momento do livro vamos vivendo as aventuras de um homem que viveu e lutou no Egipto, Israel/Palestina, Jordânia, Síria, Líbano, Tunísia e mais uma série de países. Que trabalhou contra e a favor de todas as grandes potências mundiais e regionais. Que cresceu no meio do nacionalismo árabe de Nasser no Egipto, que viu esse nacionalismo desaparecer emancipando a luta palestiniana. Que assistiu e apropriou-se do fenómeno dos bombistas suicidas no líbano e posteriormente na sua própria terra. Sobreviveu a inúmeros atentados e tentativas de assassinato por parte de inúmeros inimigos e viveu para poder voltar a ver a sua terra, embora nunca tenha conseguido o estado que tanto desejava.

Mas por muito especial que Arafat tenha sido, certamente cometeu erros táticos e estratégicos gravíssimos. E as suas mãos estão banhadas de tanto sangue quanto os seus inúmeros inimigos. Fomentou uma guerra civil na Jordânia e tentou afastar o rei hashemita e perdeu. Criou um "estado dentro de um estado" no Líbano até provocar (ou melhor, deixar-se provocar) uma invasão total israelita pelas mãos do seu arqui-inimigo Ariel Sharon. Recusou qualquer divisão de poder dentro da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) afastando todos os que não seguiam rigorosamente a sua linha de pensamento. Manteve prisões nos territórios ocupados que atropelavam qualquer conceito de direitos humanos. E finalmente, cometeu o erro dos erros ao apoiar Saddam Hussein na sua invasão ao Kuweit deixando-o totalmente isolado no momento em que a União Soviética. O dinheiro que fluía para a sua organização com origem nas petro-monarquias do Golfo Pérsico subitamente secou e foi todo ele canalizado para o Hamas, que se transforma rapidamente numa organização muitíssimo mais organizada do que a decrépita e corrupta Fatah.

Yasser Arafat foi tudo isto. Herói e vilão. Terrorista e prémio Nobel. Criador de nações e destruidor de países. Um homem que tem o seu lugar na história e cujos sucessos e falhanços influenciaram e continuarão a influenciar a vida de milhões.

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